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Noite de Reis
versão celebrativa

Texto original Twelfth Night, or What You Will,

de William Shakespeare

Tradução Fernando Villas-Boas
Encena
ção Luís Moreira

Assistência de encenação Raquel Montenegro

Desenho de Luz Rui Seabra

Cenários e Figurinos Manuela Bronze e Maria Gonzaga

Fotografia e vídeo Vitorino Coragem

Produção Vanessa Pereira

 

Interpretação

Orsino -  Mónica Garcez / Valter Teixeira

Violeta - Sandra Pereira / Luís Lobão

Sebastião - Mariana Lobo Vaz / Rodrigo Machado

Olívia - Alice Medeiros / Luís Moreira

Maria - Ana Baptista / Vítor Alves da Silva

Dom Telmo - Anna Lepännen / Frederico Coutinho

Dom André - Rita Poças / Vasco Barroso

Bobo - Ana Valente / José Redondo

Malvólio - Sara Ribeiro / Ricardo Vaz Trindade

 

Com o apoio da MIRPURI FOUNDATION e MUSEU DA MARIONETA

 

Museu da Marioneta, de 6 de Janeiro a 4 de Fevereiro

"É sempre sugerido, ou dito, ou representado de maneiras extraordinariamente sofisticadas; nunca, por um segundo, existe a explicitação do traço grosso."

Jornal Expresso

Pela primeira vez em Portugal, o mesmo espetáculo é feito com dois elencos: um elenco masculino e um elenco feminino. Durante um mês, os dois elencos subirão ao palco com o mesmo cenário, desenho de luz, música e a mesma história, mas com duas visões bastante distintas. Esta versão celebrativa de Noite de Reis garantiu ao Filho do Meio o Prémio de Teatro Carlos Avilez da Mirpuri Foundation, pela excelência da sua própria originalidade e audácia.

“DOIS LÁBIOS, VERMELHO IDÊNTICO”

Ainda que a base de trabalho seja a mesma, os dois espetáculos são bastante diferentes. Se podemos dizer, em Teatro, que o mesmo texto pode ser dito de milhares maneiras diferentes, porque é que não pomos o mesmo texto em cena com dois elencos diferentes? O critério de distinção entre os dois grupos não é novidade e foi, inclusivamente, sugerido pelo próprio Shakespeare neste mesmo texto que agora apresentamos. Na voz da Violeta, personagem principal que se mascara de homem, ouvimos que “enquanto é homem” pode fazer certas coisas, e que “enquanto é mulher” pode fazer outras. Criámos dois grupos distintos, isolados, que trabalharam artisticamente sobre as expectativas de papel de género (conjunto de padrões de comportamento exterior que uma dada cultura considera apropriado para cada sexo). A ironia deste projeto é a provocação do público português dando-lhe exatamente aquilo que ele acha que deve existir, a diferença entre homens e mulheres. Terá uma preferência à partida? Se sim, porquê? A nós, artistas, não nos cabe responder a essa pergunta. Nós só levantámos a hipótese e damos oferta à escolha do público. De todas as coisas que este espetáculo pode ser, há uma que sabemos que não é: não é nem azul, nem cor de rosa.

Por mais sofisticada que a sociedade europeia queira parecer, a expectativa de papel de género permanece imutável desde o século XVII. Continua a ser aceitável (se não desejável!) que distingamos o comportamento apenas com base no sexo da pessoa, promovendo-o quando é culturalmente apropriado, e punindo-o quando não o é. Shakespeare não só sugere a distinção do comportamento entre homens e mulheres como acusa a necessidade da adaptação dele consoante a situação social. É como se dissesse, por outras palavras, que um homem pode comportar-se de forma mais livre, agressiva, ousada e despreocupada que uma mulher.

FALAR SHAKESQUEER

Em Noite de Reis, o engano é motivado pelo disfarce, mas mais do que servir uma estratégia, a capacidade de mascarar aparece como uma necessidade social. Violeta é a primeira a fazê-lo e é duplamente travestida: pelo que veste e pelo que diz. Este não é um espetáculo com injeções de interpretações ou leituras modernas que Shakespeare não conseguiu prever; muito pelo contrário, as possibilidades fora da leitura heteronormativa já estavam lá desde o início. O estilo queer de Noite de Reis é uma propriedade linguística e audível da peça. Tal é, que marca uma entrada no corpo.

A materialidade da linguagem é indissociável do corpo que a fala, e de como esse corpo é representado. Estilo e corpo têm uma longa e

histórica parceria. A linguagem da peça e os detalhes do estilo verbal dão forma ao corpo e à identidade como são representados no palco; a personagem principal da peça não é o corpo mas a forma (ou estilo) com que o corpo é representado. 

 

O estilo queer é coloquialmente associado ao desejo, exagero e a quebra da regra. É um estilo que instiga o exagero da performance, com a devida grandiosidade, tendo como objetivo principal o prazer visual e verbal. Na literatura, o estilo é a propriedade material e formal do texto. Em Shakespeare, o estilo é a linguagem. Para este espetáculo, a minha proposta é que este estilo queer preserve a memória duma altura em que o desejo não era determinado por dicotomias sexuais. O desejo produz linguagem e a linguagem produz desejo. Não me preocupo se desvirtuei Noite de Reis com dois elencos, nem se lhe estraguei as palavras. Se o fiz, Shakespeare já o tinha previsto. E permitiu-o.

Luís Moreira

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