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Romeu
&
Julieta

Texto original The Most Excellent and Lamentable Tragedy of Romeo and Juliet, de William Shakespeare

Tradução Fernando Villas-Boas
Dramaturgia e Encenação Luís Moreira

Assistência de Encenação Raquel Montenegro
 Apoio ao movimento Joana Chandelier

Interpretação Ana Baptista, Frederico Coutinho,

Joana Chandelier, José Redondo, Mónica Garcez,

Nelson Sousa, Rita Brütt, Rodrigo Correia,

Tiago Fernandes e Tomás Alves

Iluminação Rui Seabra

Cenografia e figurinos Maria Gonzaga

Fotografia Vitorino Coragem
Vídeo Sam Andrês
Produção Vanessa Pereira

Apoios República Portuguesa – Cultura / Direção-Geral das Artes, Garantir Cultura,

Primeiros Sintomas

Teatro Diogo Bernardes, Novembro de 2021

Teatro do Bairro, Dezembro de 2021

Teatro do Bairro, Maio de 2022

"A extraordinária ideia cénica de Luís Moreira consegue no final do espetáculo colocar-nos no lugar intensamente poético em que se encontram os amantes ao despedirem-se."

Jornal Expresso

Não conheço nenhuma outra história que mais vezes tenha recebido o título de “A Mais Bela História de Amor”. Apesar desta persistência, a peça não se deu bem com críticos e com teóricos que, na sua maioria, a consideraram de inferior qualidade quando comparada com as grandes tragédias que se seguiram. Para mim, é preciso considerar, primeiro, o material que inspirou esta versão.

 

Shakespeare não inventou a história de Romeu e Julieta, foi buscar a referência a várias fontes. A mais próxima terá sido o longo poema de Arthur Brook, The Tragicall Historye of Romeus and Juliet (1562), um texto bastante moralista com o propósito de refrear os ímpetos da juventude, avisando-a dos perigos do “desejo desonesto” e da desobediência da autoridade parental. Shakespeare, por contraste, purificou e enobreceu a paixão dos amantes, reordenou os episódios, criou outros, e precipitou toda a cadeia de acontecimentos num crescendo de cinco dias! A originalidade de Shakespeare é mais evidente se tivermos em conta que os dois adolescentes não são nem da realeza, nem da nobreza, e que a ação se passa em Verona, no século XVI, e não na Antiguidade, como ditava a convenção isabelina do que seria digno de matéria trágica. O amor adolescente seria, naturalmente, matéria de comédias, não de tragédias. Os contemporâneos de Shakespeare teriam ficado surpreendidos - senão mesmo chocados - ao ver amantes serem levados com tanta seriedade. Contudo, uma paixão tão absoluta como a de Romeu e Julieta não pode ser consolada com comédia. A sexualidade serviria para a comédia, mas a sombra da morte torna o erotismo a companhia perfeita para a tragédia.

 

A sua versão de Romeu & Julieta não só é uma das maiores histórias de amor de toda a literatura, como é possivelmente uma das peças mais populares de todos os tempos. Razão pela qual, na minha opinião, foi muitas vezes criticamente desvalorizada. Se o poeta e dramaturgo ainda não se tinham fundido no autor que hoje idolatro, pela altura em que escreveu esta peça (aos 31 anos de idade, depois de 12 anos de casamento e de três filhos) Shakespeare demonstrou um considerável avanço na orquestração do verso, imagem e acidente que, mais tarde, se tornaria na imagem de marca dos seus grandes textos. E quando põe a história em cena, mesmo que já conhecida por todos, com alguma vaidade chama à sua versão “A Mais Excelente e Lamentável Tragédia de Romeu e Julieta”. Porque pode, e porque é.

Romeu & Julieta é a peça que mais controla o calendário de eventos; talvez por isso, seja também a que mais oferece ao público referências à passagem do tempo. Mais do que em qualquer outra peça, palavras como “tempo”, “dia”, “noite”, “hoje”, “amanhã”, “horas”, “minutos”, dão-nos um contexto bastante específico e concreto da passagem do tempo. Isto manifesta-se, por exemplo, na pressa com que Capuleto antecipa o casamento da filha para a quinta-feira seguinte. Na peça, há catorze referências a esse dia, uma por cada ano da vida de Julieta, chegasse ela ao dia do seu aniversário. Não há nada que afaste mais a comédia do que um esquema de tempo tão exigente e apertado. A famosa expressão de Ovídio tempus edax rerum (o tempo devora tudo) ganha forma neste espetáculo, que é ele próprio consciente do efeito destruidor do tempo. Quando perguntaram ao realizador Alfred Hitchcock quanto tempo devia durar um beijo, ele respondeu “vinte a vinte cinco minutos... mas primeiro punha uma bomba debaixo da cama”. Aqui, em Romeu & Julieta, esta bomba-relógio é o tempo decrescente.

 

Quando comecei a trabalhar na dramaturgia deste espetáculo, tive como principal propósito desenhar-lhe um final feliz e celebrar o poder persuasivo do amor romântico com o mesmo selo de eternidade que Romeu jura, quando Julieta está à varanda. Contudo, apercebi-me que mesmo mudando o final do espetáculo, não mudaria o final da história: Romeu e Julieta morrem. Talvez a tragédia, neste espetáculo, não seja a morte de ambos, mas o facto de se terem conhecido.

 

Romeu & Julieta é uma peça que consegue criar um mundo privado, alternativo e onírico, que é tão comovente por ser tão breve e tão mortal. Independentemente da forma como é contada, o triunfo da versão de Shakespeare é o de nos dizer que um amor adolescente é importante - emocional, psicológica e socialmente - e que a morte injusta e prematura de jovens amantes rivaliza, tanto em profundidade como em significado, com a queda de reinados e com a morte de deuses.

 

Luís Moreira

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